quinta-feira, 25 de abril de 2013

Assembleia da República - Sessão Solene do 25 de Abril - Intervenção da deputada Heloísa Apolónia





Senhor Presidente da República,

Senhora Presidente da Assembleia da República,

Senhores Presidentes dos Supremos Tribunais,

Senhor Presidente do Tribunal Constitucional,

Senhor Primeiro Ministro e demais membros do Governo,

Senhoras e Senhores Deputados,

Estimadas e estimados convidados,

Minhas Senhoras e meus Senhores,


O que levou aquele povo português, há 39 anos, a fazer e a viver o 25 de Abril foi a certeza de que não era possível aguentar mais. Decerto haveria, na altura, quem assegurasse que ‘aguentam, ai aguentam, aguentam!’, mas os capitães de Abril que abriram alas para a revolução, à qual se juntou um povo ávido de liberdade e de democracia, ditaram a resposta inequívoca: ‘não aguentamos mais!’

Era um país salazarento, que fabricava miséria, pobreza, medo e analfabetismo para se poder sustentar. Aos jovens impunha a guerra colonial, e a tantos a morte prematura. A democratas ativos tantas vezes impunha a clandestinidade ou a prisão, brindada de métodos de tortura, de martírio para gerar denúncia ou um caminho criminoso para a morte. Era o regime do lápis azul em riste, da censura, para calar, para fazer a informação e a história à medida dos sabores e dos desejos da ditadura fascista!

O 25 de Abril pôs fim a este horror e há de, por isso, ser uma referência para todas as futuras gerações. Mas não só por isso. Também porque distribuiu cravos carregados de valores, de sonhos, de liberdade, de igualdade, de paz, de democracia, de solidariedade, de desenvolvimento, de participação e de motivação para os construir e erguer. O país ganhou cor…

«Qual a cor da liberdade?

É verde, verde e vermelha.»

(Jorge de Sena)


... Das cores dos cravos de Abril, das cores dos valores de Abril!

Houve, contudo, um problema! É que houve quem começasse a desfazer-se dos cravos de Abril, a deitá-los ao chão, gerando políticas que esqueceram a solidariedade, a promoção da igualdade, a dignidade de um povo. Esqueceram-se, no entanto, pobres governantes, que cada cravo deitado fora, à terra, era semente que voltaria a germinar. Mais tarde ou mais cedo, será sempre encontrado por outro alguém que ganhará o desejo, a coragem e a confiança dos valores de Abril!. Esqueceram-se também que neste país há quem não largue o cravo da mão, ganhando alma para todos os desafios.

«Tens um cravo

Nas mãos

E vens de Abril (…)

(…) Trazes constante em ti

O desafio»

(Maria Teresa Horta)

Um dos mais sólidos canteiros de cravos foi instituído na nossa Constituição da República Portuguesa. Nela foram inscritos princípios sólidos da democracia e direitos aos cidadãos que temos que preservar muito, muito, porque há quem sonhe e tente destruir este instrumento de sustentabilidade, porque na Constituição encontra um travão a certas loucuras políticas. Conhecer a Constituição da República Portuguesa é um passo importante para se ganhar e consolidar consciência de direitos. Por isso o Partido Ecologista “Os Verdes” tem já agendada, na Assembleia da República, uma proposta para que ninguém saia do sistema de ensino sem a oportunidade de conhecer esta Constituição, como hoje incompreensivelmente ainda acontece.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Trinta e nove anos depois do 25 de Abril não há vivalma que diga que era este o país que então se sonhava construir!

Quase quatro décadas depois voltamos a reclamar liberdade! ‘Libertemo-nos desta ditadura do poder financeiro em que vivemos hoje!’ O poder político, com governantes incautos e obreiros de crises recorrentes, vendeu-se ao poder financeiro, em vez de se dar ao seu povo!

Os banqueiros agiram sórdida e fraudulentamente, como no BPN, e os governantes correram a amparar os prejuízos. Os banqueiros disseram que era tempo de pedir ajuda externa e os governantes correram a chamar a Troika! Os financeiros declararam que os seus bancos estavam descapitalizados e os governantes correram a disponibilizar milhares de milhões de euros para a banca! Os bancos acenaram com operações financeiras de alto risco e administradores de empresas públicas correram a ditar prejuízo para as mesmas, mas grande rentabilidade para o sistema financeiro. ‘Swap’ é como chamam áquilo que é um verdadeiro ‘flop’ para as contas do país. Que esbanjamento de dinheiros públicos!!

Não nos venham, então, dizer que não há dinheiro para pagar salários ou para pensões, que não há dinheiro para garantir um sistema educativo de corpo inteiro, que não há dinheiro para um serviço nacional de saúde eficaz, que não há dinheiro para o funcionamento de serviços públicos de que os portugueses precisam. Há dinheiro, há, só que ele é canalizado para o sistema financeiro! Ainda por cima garantiram-nos que o dinheiro ia para os bancos, para que estes depois gerassem empréstimos para as empresas. Nada disso aconteceu! E qualquer apoio que o Governo anuncie, já tarde, para uma economia que pôs nas ruas da amargura, fica sempre a léguas de distância dos montantes que disponibilizou para a banca! Como é que isto é sustentável?

Neste país está-se a criar uma bolsa de pobreza abominável, a fome prolifera no país, o número de desempregados é dramático, a emigração forçada por falta de esperança é assustadora, a dívida não pára de crescer. Isto tem que estancar! Para se sustentar a riqueza do sistema financeiro e do grande poder económico, fabrica-se e alastra-se pobreza entre a generalidade dos portugueses!

Estamos a regredir, minhas Senhoras e meus Senhores! A regredir!

Senhor Presidente da República,

O país não aguenta mais estas políticas delapidadoras. E não é o vai vem de membros do Governo que resolve a situação. Devolver a palavra aos portugueses é do mais elementar interesse nacional neste momento, Senhor Presidente.

E depois cuidado com as falácias! Tudo é vendido sob o rótulo da modernidade!. Muda-se a legislação laboral para facilitar o despedimento ou desregular os horários de trabalho e diz-se que isso é moderno! Criam-se mega agrupamentos escolares, com milhares de alunos, e diz-se que não há modernidade como esta! Encerram-se serviços de proximidade, como unidades de saúde, postos de CTT, esquadras da PSP e diz-se que isso é que é moderno! Acabam-se com freguesias, fragilizando o poder local democrático, o de maior proximidade, e acha-se isso de uma modernidade absoluta! Quer-se privatizar tudo, tudo, da energia, aos transportes, à água, ao mar, com graves prejuízos para o país, e acha-se que isso é o cerne da modernidade!

Estamos a regredir, minhas Senhoras e meus Senhores! A regredir!

E cuidado com as ilusões! Quando aderimos à União Europeia e depois ao Euro, as promessas de progresso infindável e sustentável não paravam. Nós alertávamos: atenção, porque estão a enviar-nos subsídios e vastos montantes de dinheiro para deixarmos de produzir no nosso país - tornar-nos-emos, assim, mais dependentes do exterior (estavam a comprar-nos soberania!); atenção, dizíamos, porque o problema não é aderir a uma União Europeia, mas sim a esta União Europeia com estas características de serviço às economias mais fortes e de fragilização das mais fracas. Éramos acusados de termos vista curta, de não percebermos a dimensão da tal modernidade! Hoje infelizmente, e redigo, infelizmente percebeu-se que tínhamos razão!

«Este mundo não presta, venha outro.

Já por tempo de mais aqui andamos

A fingir de razões suficientes.»

(José Saramago)

Ouçam-nos, então:

Detetada uma das maiores causas do problema que hoje enfrentamos, o facto de termos deixado de ter capacidade produtiva, é preciso reverter a situação. O país precisa de recomeçar a produzir, produzir sustentavelmente. A relocalização da produção traz enormes vantagens do ponto de vista ambiental, social e económico. Produzir é ganhar capacidade de gerar riqueza num país. É para aí que todos os esforços se devem voltar. E este país tem valores naturais tão ricos e diversos, da terra, ao mar, a uma costa imensa, a um mundo rural repleto de potencial, às magníficas paisagens, ao clima, fatores tão propícios a um desenvolvimento com sustentabilidade. Mas para haver atividade produtiva, as micro, pequenas e médias empresas têm que ser apoiadas, relançadas, e o mercado interno tem que deixar de estar estrangulado, e para isso é determinante que os portugueses ganhem poder de compra, para o que é fundamental o aumento do salário mínimo nacional e a reposição do que foi retirado nos salários e pensões da generalidade dos portugueses. Isto não é esbanjar dinheiro, isto é relançar o país para a dinâmica necessária! É, de resto, a única forma de podermos pagar dívida. Sem produção de riqueza, para além de não conseguirmos pagar dívida, não conseguiremos deixar de nos endividar cada vez mais! Canalize-se o dinheiro para onde ele dá frutos e não para sustentar os ricos que navegam em ganância!


Àqueles que passam a vida a dizer que quem tem dinheiro é quem manda, seja esse “quem” a Alemanha, a Troika ou os banqueiros, que acham, iludidos, que aguentamos tudo, é preciso dizer que a canção de Abril é mais sábia e ditou, há muito tempo, que “o povo é quem mais ordena”!

Este país tem Abril na sua raiz. Abril é do povo e o povo ordenará que Abril vencerá!


Viva o 25 de Abril!





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